O discurso de despedida de um stárietz



Mas ainda que ele falasse com clareza e a voz estivesse muito forte, a fala porém, saia muito desconexa. Falou de muita coisa; parecia querer dizer tudo, concluir, no instante da morte, tudo o que deixara por dizer em vida, sem visar unicamente ao ensinamento mas como se ansiasse por dividir sua alegria e seu êxtase com todos e com tudo, desafogar o coração mais uma vez na vida...

- Amai uns aos outros, padres... Amai o povo de Deus. Não somos mais santos que os leigos pelo fato de termos vindo para cá e nos enclausurado entre estas paredes mas, ao contrário, cada um veio para cá, já pelo simples fato de ter vindo, conheceu consigo que é pior do que todos os leigos, do que tudo e todos na Terra... E quanto mais o monge viver depois entre suas paredes, mais sensivelmente deverá tomar consciência disto. Porque em caso contrário não teria nenhum motivo para estar aqui. Só quando toma consciência de que não é só pior do que todos os leigos mas é, ainda, culpado perante todos os homens por todos e por tudo, por  todos os pecados dos homens, do mundo e de cada indivíduo, só então atinge o objetivo de nossa união.  Porque sabeis, queridos, que cada um de nós é, indubitavelmente culpado por todos e por tudo na Terra, não só pelo pecado de todos no mundo, como cada um é, pessoalmente, culpado por todos e cada um dos homens nesta Terra. Esta consciência é o coroamento do caminho do monasticismo e também de toda e qualquer pessoa na Terra. Porque os monges não são pessoas diferentes, mas tão só aquilo que todas as demais pessoas da Terra deveriam ser. Só neste caso nosso coração se enterneceria no amor infinito, universal, insaciável. Só então cada um de nós teria condições de ganhar o mundo todo peo amor e lavar com nossas lágrimas os pecados do mundo... Que cada um cuide de seu coração, que cada um se confesse incansavelmente. Não temais o vosso pecado mesmo tendo consciência dele, basta apenas que haja arrependimento, mas não estabeleceis condições com Deus. Torno a dizer - não vos orgulheis tampouco diante dos grandes. Não odieis tampouco aqueles que vos rejeitam, vos difamam, vos denigrem e levantam falsos testemunhos contra vós. Não odieis os ateus, mestres do mal, os materialistas, os perversos dentre estes e também os bons, pois entre eles há muitos bons, principalmente em nossos dias. Lembrai-vos deles em vossas orações, falando assim: salva, Senhor, a todos por quem não há quem reze, salva também aqueles que não desejam orar a ti. E acrescentai neste ato: não oro a ti por um orgulho meu, senhor, porque eu mesmo sou mais abominável que tudo e todos... Amai o povo de Deus, não permiti que os forasteiros vos tomem o rebanho, pois se dormirdes na preguiça e no vosso orgulho repulsivo, e ainda mais na cobiça, então eles virão de todos os países e vos tomarão o rebanho. Explicai o evangelho incansavelmente ao povo... Não pratiqueis a usura... Não ameis o ouro e a prata, não os guardeis...Tende fé e matende o estandarte. Erguei-o bem alto..."



(DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os irmãos Karamázov. Vol. 1 Editora 34, p. 231-232)

fonte do ícone: http://community.middlebury.edu/~beyer/courses/previous/ru351/novels/bk/mainchar.shtml

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