Panorama do Novo Testamento: O Evangelho de João

O evangelho de João - resumo


É provavelmente o mais comentado dentre todos os evangelhos. Considerado de muita profundeza devocional, espiritual e teológica dentre todos. O evangelho preferido de Lutero.

Autoria: Formalmente anônimo, assim como os demais evangelhos. É uma testemunha ocular (João 1.14). A escola tradicional entende que foi João, filho de Zebedeu. A referência em João 21.24-25 parece apontar para o “discípulo a quem Jesus amava” (13.23; 19.26; 20.2; 21.7,20). A primeira testemunha que indica que João foi o autor é Irineu, e ele já está no segundo século. Entretanto, é uma testemunha muito importante, pois segundo a tradição, ele, Irineu, foi discípulo de Policarpo, e este, do próprio apóstolo João, e tal autoria foi aceita por diversos outros teólogos primitivos, que eram bem críticos e rígidos em suas análises, conforme afirmam muitos estudiosos (Tertuliano, Orígenes, Clemente de Alexandria, etc). A controvérsia surge pelo fato deste evangelho ter sido o preferido dos gnósticos no início do segundo século; e os próprios gnósticos aceitavam a autoria joanina, sendo que, os ortodoxos não negaram tal fato. Dionísio e Eusébio, afirmaram que o evangelho de João e o Apocalipse não poderiam ter sido escritos por um mesmo autor, por terem estilos muito diferentes. Outros estudiosos modernos apoiam tal conclusão com base na profecia da morte de João (Mc 10.39), creditando a autoria do apocalipse a outro João, presbítero, provavelmente citado por Papias[1]. Tiago realmente foi martirizado (Atos 12.1-2), mas João ainda estava vivo quando Paulo escreveu aos gálatas (Gl 2.9). De qualquer modo, sabemos que foi o discípulo amado que escreveu este evangelho (21.24); ele tomou parte na última ceia e reclinou-se ao peito de Jesus (13.23; 25); foi o único presente na crucificação, e a ele Jesus confiou o cuidado de sua mãe (19.26), foi testemunha ocular de detalhes da crucificação (19.23-37), correu até o túmulo vazio (20.2-8); foi pescar após a ressurreição (21.2); foi o primeiro a reconhecer Jesus (21.7).

É inegável, de qualquer modo, que o estilo literário, bem como a teologia deste evangelho é bem diversa dos demais, principalmente no que diz respeito à sua assim chamada alta cristologia.
Data. O “papiro 52”, em que encontra um fragmento do evangelho de João, foi encontrado no Egito e data aproximadamente de 130 d.C., logo, tem que ter sido escrito antes disso. Para a data inicial, há grandes controvérsias. A tradição diz que João foi banido de Roma sob a perseguição de Nero para a ilha de Patmos, e de lá escreveu o apocalipse, na década de 70 d. C. Muitos dizem que os evangelhos têm que ter sido escritos antes desta data (ano da destruição de Jerusalém e do Templo). Para a tradição, João escreveu o Apocalipse de Patmos, e provavelmente, o evangelho, de Éfeso, antes de 70 d. C.

Local em que foi escrito. A tradição unânime atribui o local de autoria à Éfeso (Irineu, Adv. Haer., III, 1). O movimento montanista, que utilizou muito este evangelho, estava perto de Éfeso, na Frígia, e Atos 18 e 19 salientam que perto de Éfeso havia um grupo de seguidores de João Batista. Neste evangelho, é enfatizado o papel importante, porém menor de João Batista.

Propósito. O autor incluiu uma declaração do seu propósito ao escrever: João 20.31. Dos escritores do Novo Testamento, somente João preserva o termo hebraico ou aramaico Messias (1.45; 4.25). João procura provar pelos sinais que “o Jesus histórico crucificado é o prometido de Deus através dos profetas”. Pelas omissões que ocorrem neste evangelho, pressupõe-se que seus leitores estivessem já familiarizados com aspectos básicos da vida de Jesus, como o seu nascimento virginal. Muitos dividem o evangelho conforme os sinais, e os ensinos que deles se depreendem.

O livro dos sinais. Este evangelho descreve alguns sinais, com o propósito de fazer que os leitores creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que para os leitores tenham vida em seu nome (João 20.30-31). Os sinais apontam então para quem Jesus é. Em torno destes sinais, há ensinos acerca da pessoa de Jesus:

Ele é o Verbo de Deus, companheiro de Deus, Deus, Criador e doador da vida (1.1-3). Ele é a luz que ilumina todo o homem (1.9). Ele torna aqueles que o recebem filhos de Deus (1.12). Ele é o Verbo encarnado (1.14). Ele é o Messias anunciado por João Batista (1.19-34). Ele é a novidade para os discípulos de João (1.35-51).

Ele transformou água em vinho em Canáo primeiro sinal (2.1-15).
Ele é a expressão do amor de Deus ao mundo (3.16). Ele fala as palavras de Deus e pela fé nele se tem a vida eterna (3.35-36). Ele é quem “mata a sede eternamente” e faz de nós também fontes de água (4.14). Ele se anunciou como o Messias (4.26). Ensino: ele é o cumprimento do antigo e a realização do novo (Broadus), aquele que garante a alegria da vida, Ele é Deus conosco.

Ele curou o filho de um oficial – o segundo sinal (4.43-54)

Ele curou um homem que há trinta e oito anos estava paralítico - o terceiro sinal (5.1-9)
Ele é o alvo da fúria dos judeus, pois curou no sábado e se fazia igual a Deus, quando o chamava de Pai (5.18). Ele é aquele cujas obras estão em consonância com a do Pai (5.19). Jesus vivifica quem ele quiser (5.21). O Filho tem vida em si mesmo (5.26).  Ele é o Filho do Homem (5.27). Ele não aceita a glória que vem dos homens (5.41). Ele é o anunciado por Moisés (5.47). Ensino: Ele não está limitado nem no tempo, e nem no espaço, e tem plena unidade com o Pai, quebrando paradigmas antigos em nome da vida.

Ele multiplicou pães e peixes para uma multidão e caminhou sobre as águas – o quarto sinal (6.1-21).
Não aceitou ser feito rei pela multidão. O Filho do homem dá a comida que não perece (6.27). Jesus é o pão da vida (6.35). Ele não perde nenhum dos que lhes foram dados pelo Pai (6.39). Para participar da vida, é preciso “comer a carne e beber o sangue” do Filho (6.53-58). É motivo de dúvida entre a multidão (7.12, 43). Ele é aquele que anunciou o Espírito Santo (7.38-39). Ele é a luz do mundo (8.12). Ele é o “eu sou” (8.24, 28, 58). Muitos consideraram seu discurso muito duro e o deixaram, e houve também muitos embates com os fariseus. Ensino: ele tem pleno domínio sobre a natureza, e é o alimento dos que crêem nele.

Ele curou um cego de nascença – o quinto sinal (9.1-12). Por ser sábado, gerou nova polêmica com os fariseus. Estes eram os verdadeiros cegos.
Ele é a porta das ovelhas (10.9). Ele é o bom pastor que dá a vida pelas ovelhas (10.11, 14-15). Ele é um com o Pai (10.29). Ele esta no Pai e o Pai nele (10.38). Ensino: ele é a luz do mundo, e os que o rejeitam, na verdade, são os verdadeiros cegos.

Ele ressuscitou Lázaro – o sexto sinal (11.1-44).
Ele é a ressurreição e a vida (11.25). Ele é o Rei de Israel (12.13, 15). Ele é a luz do mundo (12.46). É aquele que amou os seus até o fim (13.1). Ele é o Senhor e Mestre que lava os pés dos discípulos (13.14). Ele será o anfitrião dos salvos (14.2). Ele é o caminho, a verdade e a vida, somente por ele se achega ao Pai (14.6).  Ver a Jesus era ver o Pai (14.9). Ele roga ao Pai para que envie o Consolador (14.16). Ele dá a paz que o mundo não dá (14.27). Ele é a videira verdadeira, sem a qual ninguém pode dar fruto (15.17). Ele é o grande intercessor para com a igreja (17.9, 20). Ensino: ele é a Ressurreição e a Vida.

Ele ressuscitou – o sétimo sinal (20.1-18)
Ele é quem soprou o Espírito sobre os discípulos (20.22). É aquele que recobrou o ânimo dos discípulos (21.1-14) e recuperou Pedro e que tem um propósito para a vida de cada discípulo (21.15-25). Ensino: Ele é o verdadeiro Filho de Deus, o anunciado, o Deus conosco, o Senhor de todos.


Outros aspectos interessantes:

 - o contraste entre Nicodemus e a mulher samaritana (Cap. 3 e 4): Notem que Jesus, para estar com esta samaritana, rompeu a barreira de gênero, étnica, religiosa e moral. Pearlman observa um interessante contraste entre a samaritana e Nicodemus. Entre outras coisas, ele é nomeado, e ela não; ele é homem, ela mulher; ele judeu, ela samaritana; ele era mestre em Israel e ela uma mulher de vida conjugal complicada, talvez uma prostituta; ele procurou Jesus de noite, ela, teve uma experiência com Jesus durante o dia; ele se tornou um discípulo secreto e não se sabe se levou alguém a Jesus, ela espalhou para todos que encontrara o Cristo e levou uma cidade inteira até ele.

- a natureza e as ações do Espírito Santo: É fonte constante de vida (7.38); Ele é o consolador e o Espírito da verdade (14.15-26; 15.26); convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo (16.8); Ele guiará os discípulos em toda a verdade (16.13); Ele glorificará ao Filho (16.14).

- o aspecto testemunhal do amor – o novo mandamento - e da unidade cristã (Jo 13.34-35; 17.11, 20-21).

BIBLIOGRAFIA

CARSON, D.A., MOO, Douglas J, MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1989.

KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982.

PEARLMAN, Myer. Através da Bíblia, livro por livro. São Paulo: Ed. Vida, 1999.




[1] “Se alguma vez, qualquer homem que houvesse sido um seguidor dos presbíteros viesse, eu o interrogaria acerca dos dizeres dos presbíteros: o que disse André, ou Pedro, ou Tomé, ou Tiago, ou João, ou Mateus, ou qualquer outros dos discípulos do Senhor; e o que diz Aristão, e o que diz João, o presbítero, que são discípulos do Senhor. Pois eu não suponho que obtenha tanto proveito dos livros quanto da palavra de uma voz viva e presente. (H.E. III.39).

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