Teologia da Espiritualidade: em busca de significados
(cuida-se do esboço da aula "teologia da espiritualidade" que ministrei em um curso de três aulas)
EM BUSCA DE SIGNIFICADOS PARA O TERMO ESPIRITUALIDADE.
Noções
básicas de espiritualidade:
Há muitas espiritualidades no mundo. Se formos nos referir à
espiritualidade no âmbito de alguma religião, já termos aí dezenas de
espiritualidades diferentes. Existe uma espiritualidade cristã, muçulmana,
budista, judaica, hinduísta, entre tantas outras. Alguns entendem que é
possível se falar em uma espiritualidade mesmo fora do âmbito das religiões (o
que talvez seja algo que mais se busque hoje em dia, pois muitos não querem
compromisso com uma instituição religiosa). Se ficarmos somente no âmbito da
religião cristã, também teremos uma variedade incrível de espiritualidades. Por
exemplo, há uma espiritualidade tipicamente católica romana, sendo que, dentro
deste segmento do cristianismo, há uma variedade muito grande do modo como se
vive a fé. Existe, por exemplo, a espiritualidade franciscana, a carmelita, a dominicana,
a jesuíta, a carismática, a progressista, cada qual com determinadas ênfases e
práticas, unidas por uma compreensão comum de cristianismo. E com a
espiritualidade protestante não é diferente, pois existem muitos grupos
distintos, como os metodistas, presbiterianos, batistas, pentecostais,
luteranos, anglicanos, cada qual com suas peculiaridades. E mesmo dentro das
citadas denominações, há variações de espiritualidades. De modo que, é muito
difícil sistematizar um conteúdo acerca deste tema.
Vejamos, primeiramente, algumas definições amplas na
tentativa de meditarmos um pouco acerca do significado do termo espiritualidade:
(A espiritualidade) “Refere-se a uma busca por uma vida
religiosa autêntica e satisfatória, envolvendo a união de ideias específicas de
determinada religião com toda a experiência de vida baseada em e dentro do
âmbito desta religião[1]”.
(A espiritualidade é) “A busca de um significado
transcendental para a vida, e os meios de obtê-lo, independente ou não de se
seguir uma religião específica”.
(A espiritualidade é) “A busca de significados absolutos
para a vida”.
“Espiritualidade é aquilo que se faz de prático com aquilo
que se acredita”.
Noções de Espiritualidade cristã
Embora haja muitas variantes de vida cristã, podemos tentar
traçar algumas noções que talvez sejam comuns a todas elas, ou pelo menos, à
maioria. Vejamos uma destas tentativas:
“A espiritualidade cristã propriamente dita é a vida orientada
a Deus, por intermédio de Cristo, no poder do Espírito Santo, com o auxílio dos
meios de graça, e em meio a uma comunidade celebrante”.
Veja que nesta noção de espiritualidade, o próprio conceito
de Santíssima Trindade está envolvido, de modo que teologia e prática,
intelecto e vida estão intimamente relacionados. Vejamos algumas outras
definições para a espiritualidade cristã:
“Espiritualidade cristã refere-se à busca por uma existência
cristã autêntica e satisfatória, envolvendo a união das ideias fundamentais do
cristianismo com toda a experiência de vida baseada em e dentro do âmbito da fé
cristã[2]”.
“Espiritualidade é uma experiência viva, o esforço de
aplicar elementos relevantes do depósito da fé cristã para a orientação de
homens e mulheres, com vistas ao seu crescimento espiritual, o desenvolvimento
progressivo de sua pessoa que floresce em percepção e alegria proporcionalmente
maiores[3]”.
Há algumas passagens nas Escrituras, notadamente na pena do
Apóstolo Paulo, que nos falam acerca de viver como homens espirituais, sob a
vontade do Espírito Santo, em todos os âmbitos de nossa existência, e em
oposição à viver de forma carnal: Rm 8.1-11; Co 2.6-16; Gl 5.16-26; 1 Ts 5.16-23.
A Bíblia Sagrada não traz uma teoria sistematizada acerca da
espiritualidade cristã, e sim os seus conteúdos. Na verdade, a Escritura não
traz um estudo sistematizado acerca de nenhum de seus conteúdos, cabendo este
trabalho para a teologia.
O termo hebraico “Ruah”, por exemplo, (vento, sopro, fôlego,
espírito) inspira a espiritualidade, no sentido de que o seu significado possui
uma dupla dimensão, quais sejam, “a força da vida individualizada e o poderio
de Javé que atua especialmente sobre o seu povo como dom profético e como
sabedoria personificada[4]”.
O estudo sistematizado e universitário da espiritualidade parece
ter tido início entre os dominicanos, jesuítas, franciscanos e carmelitas
(cátedra de ascética e mística). O catolicismo possui uma rica história
contemplativa, bem como grande proximidade com a tradição do deserto, além de
contar com diversas ordens religiosas que vivem conforme a vida monástica.
Também os ortodoxos possuem uma rica tradição contemplativa, praticamente desconhecida
no ocidente. Entretanto, nos últimos anos, muitos escritores protestantes,
mesmo entre nós brasileiros, têm procurando resgatar esta rica tradição
espiritual no meio evangélico[5].
Antigamente, era comum a utilização do termo “experiência
mística” para a espiritualidade. A vida mística diz respeito à “iniciativa de
Deus que faz com que a pessoa participe de seu mistério”. É um estado de vida
espiritual em que Deus se manifesta à pessoa de modo sensível – a intensidade
do sentimento da presença de Deus é tão clara que o místico tem totalmente a
certeza de que Deus está nele[6].
Mística foi o termo utilizado por alguns autores para se referir ao relacionamento
direto e pessoal com Deus, e o místico era justamente quem realizava esta
experiência[7].
Hoje, por conta de outros usos que a palavra “mística”, “mistério” e “místico”,
muitos entendem que tais nomes não devem mais ser utilizados, preferindo a
utilização do termo “espiritualidade”.
Após o iluminismo, infelizmente, houve uma ruptura, ou uma
separação entre o envolvimento subjetivo do sujeito (espiritualidade) com a
matéria de estudo propriamente dita, havendo na verdade, até um antagonismo. É
o risco de existir intelectuais da fé sem espiritualidade, e pessoas
espirituais sem conteúdo. Evágrio Pôntico, um dos grandes escritores
espirituais da antiguidade, dizia que o “teólogo é aquele que ora”, ou seja,
alguém que tem um conhecimento subjetivo da própria pessoa de Deus, pois, a
teologia é o discurso acerca de Deus. E a partir do momento que Deus não é uma
realidade objetiva verificável (empírica), quem discursa acerca de Deus deve
discursar a partir do próprio Deus.
A continuação para esta postagem é Teologia da Espiritualidade: doutrina e prática.
A continuação para esta postagem é Teologia da Espiritualidade: doutrina e prática.
[1] McGrath,
Alister E. Uma introdução à espiritualidade
cristã. p. 20
[2] Ibdem.
[3] GANS,
George. Inagtius of Loyola. p. 61 apud McGrath, Alister E. Uma introdução à espiritualidade cristã.
p. 23
[4] MONDONI.
Danilo. Teologia da Espiritualidade
Cristã, p.14.
[5] Como por
exemplo, Ricardo Barbosa, Osmar Ludovico, Ronaldo Cavalcante, entre outros.
[6] MONDONI.
Danilo. Op. cit, p.20.
[7] Não
raras vezes, o místico despertava a desconfiança da hierarquia eclesial, tendo
em vista este relacionamento direto com Deus, muitas vezes parecendo
prescindir, na prática, da instituição religiosa.
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