A tristeza de William J. Seymour
Estamos diante de alguém cuja vida ainda será análise de muitos estudos, pois, por influência de tal homem, o cristianismo mundial foi abalado, em todas as suas esferas.
Talvez um dos maiores e mais importantes acontecimentos, a despeito de muitos dos criticos sobre o assunto.
O pentecostalismo é fascinante como objeto de estudo. É impossível estudar o cristianismo no último século sem se deparar com tal movimento, em praticamente todos os ramos da cristandade.
Tudo parece ter começado com um piedoso evangélico afroamericano, que, segundo me disseram, tinha que assistir suas aulas de teologia do lado de fora da sala, visto que era proibida a presença de alunos negros.
Foi este homem que teve a iniciativa de colocar um anúncio no jornal, convidando os seus leitores que iria começar uma reunião de oração na "Azuza Street".
Contra toda evidência, fato é que a reunião, aos poucos, começou a ficar lotada. O púlpito era um caixote. Os bancos eram velhos. Mas uma revolução aconteceu naquele lugar.
Mas o que chamou a atenção na Azuza, além dos boatos que estava havendo um derramamento do Espírito como no tempo dos apóstolos, era o fato de que pessoas de todas as raças estavam se reunindo ali.
Talvez pela primeira vez na história dos EUA brancos e negros oravam e cantavam juntos.
O milagre do pentecostes unindo todos sob um mesmo Espírito.
E para quem conhece o histórico dos EUA no início do sec. XX sabe que estamos diante de uma das nações mais racistas que já existiram.
Mas, a medida que o movimento crescia, lideranças brancas ressentiam-se cada vez mais de ter um negro como líder.
Não demorou, e, apesar do esforço e dos sonhos de Seymour, fato é que os brancos optaram por se separar e viver sua própria versão do pentecostalismo.
E a utopia do reino, em que não havia nem judeu, nem grego, nem homem, nem mulher, nem negro, nem branco, foi derrotada pela forte cultura racista dos EUA.
E Seymour chorou e sofreu amargamente.
Em 1915, ele escreveu um ensaio doutrinário acerca do que se acreditava na Azuza Street que acabou evidenciando claramente a diferenciação do movimento para com seu fundador.
E assim como, certa vez, Francisco foi rejeitado pelos franciscanos, Saymour foi rejeitado pelos pentecostais.
Morreu na obscuridade.
De ataque cardíaco fulminante.
De coração partido...
Seus amigos disseram que morreu de tristeza...
(...)
Penso que há outros aspectos do pentecostalismo que se seguiria que entrariam em desacordo com os planos originais de Saymour.
Uma delas é que o movimento que se seguiu começou a gerar a idéia de que existe uma certa elite espiritual entre aqueles que são do movimento. E a elite é a dos chamado "batizados com o Espírito Santo", cuja única evidência é o falar em línguas.
Saymour chegou a escrever vigorosamente contra tal idéia no ensaio mencionado, escrito em 1915 (trechos podem ser lidos na obra de Richard Foster, Rios de Água Viva, publicado no Brasil pela Editora Vida quando trata da tradição carismática na Espiritualidade Cristã).
Ele dizia que o Espirito Santo é livre, e pode se manifestar de muitas formas.
Mas ensinou que o padrão de Cristo, o padrão da Bíblia, ou o padrão da Azuza era o amor.
Um amor como Cristo amou: esta era a grande evidência do batismo com o Espirito Santo.
Ele prezava vigorosamente os dons chamados carismáticos; entretanto, com o mesmo vigor dizia que eles não eram tão importantes caso não gerassem amor.
Ocorre que as grandes igrejas que se seguiram só permitiam que se pregassem em seus púlpitos, e fossem ordenadas para liderança, pessoas que evidenciassem, pela glossalia, que eram batizadas com o Espírito.
E o movimento que se originou combatendo-se toda a idéia de elite acabara por criar um outro tipo de elite.
E durante décadas, até os dias de hoje, pessoas que não têm tal evidência, entristecem-se por acharem que não são especiais o bastante para receberem o referido dom.
Além do que, o brutal ascetismo, com seu rigorismo em relação aos usos e costumes é uma das ambiguidades do movimento pentecostal.
Como um movimento que havia elegido a interioridade da obra do Espírito como sinal de santidade agora se apegava com tanto vigor a aspectos tão exteriores?...
(...)
Outra coisa que penso, entristeceria bastante a Saymour, e que ele já vislumbrara no final de sua vida, foi o divisionismo e orgulho que passou a existir em certas formas de pentecostalismo.
No Brasil, grandes igrejas pentecostais, das maiores, isolaram-se entre si, como por exemplo, a Deus é amor, a Assembléia de Deus, e a Congregação Cristã no Brasil. Mal relacionavam-se entre si, quanto mais com os protestantes tradicionais. Com os demais cristãos então, nem pensar...
Saymour escreveu piedosamente acerca de João 17, sonhava com uma igreja em que todas as barreiras haveriam de ser derrubadas.
Entretanto, o que se seguiu foi talvez o mais reacionário movimento contra qualquer idéia de ecumenismo cristão, que tem perdurado até os nossos dias.
O derramar do Espirito, para Saymour, era a evidência cabal de que Ele sopra onde quer, sobre quem quiser. Que Ele escolhe as coisas loucas do mundo para confundir as sábias. Que sob o mesmo Espirito, todos poderiam se entender. Jamais questionou a necessidade de liderança da igreja, ele mesmo, submeteu-se a uma liderança racista.
Entretanto, o que se seguiu no pentecostalismo, que pregava, curiosamente, a liberdade do Espirito, foi talvez o mais radical movimento de institucionalização que o protestantismo já sofrera.
Não que outros grupos não tenham preservado o sistema episcopal de governo, como os anglicanos e parte dos luteranos.
Ocorre que a liderança pentecostal começou a arvorar-se com ares de infabilidade, e ressuscitou, entre nós, um tipo de papismo, ainda mais radical.
O desdobrar desta prática tem se evidenciado na tendência das modernas igrejas neopentecostais em ter os seus próprios apóstolos, o correspondente no protestantismo para a idéia de papa.
Não há teologia que o diga, mas, na prática, tais homens governam suas igrejas com maior poder e inquestionabilidade do que o pontífice romano o faz no Vaticano.
E aquilo que o protestantismo sempre teve horror, ressurgiu em seu meio, o culto à personalidade, o culto à liderança, e o papismo.
No Brasil, grandes igrejas pentecostais, das maiores, isolaram-se entre si, como por exemplo, a Deus é amor, a Assembléia de Deus, e a Congregação Cristã no Brasil. Mal relacionavam-se entre si, quanto mais com os protestantes tradicionais. Com os demais cristãos então, nem pensar...
Saymour escreveu piedosamente acerca de João 17, sonhava com uma igreja em que todas as barreiras haveriam de ser derrubadas.
Entretanto, o que se seguiu foi talvez o mais reacionário movimento contra qualquer idéia de ecumenismo cristão, que tem perdurado até os nossos dias.
O derramar do Espirito, para Saymour, era a evidência cabal de que Ele sopra onde quer, sobre quem quiser. Que Ele escolhe as coisas loucas do mundo para confundir as sábias. Que sob o mesmo Espirito, todos poderiam se entender. Jamais questionou a necessidade de liderança da igreja, ele mesmo, submeteu-se a uma liderança racista.
Entretanto, o que se seguiu no pentecostalismo, que pregava, curiosamente, a liberdade do Espirito, foi talvez o mais radical movimento de institucionalização que o protestantismo já sofrera.
Não que outros grupos não tenham preservado o sistema episcopal de governo, como os anglicanos e parte dos luteranos.
Ocorre que a liderança pentecostal começou a arvorar-se com ares de infabilidade, e ressuscitou, entre nós, um tipo de papismo, ainda mais radical.
O desdobrar desta prática tem se evidenciado na tendência das modernas igrejas neopentecostais em ter os seus próprios apóstolos, o correspondente no protestantismo para a idéia de papa.
Não há teologia que o diga, mas, na prática, tais homens governam suas igrejas com maior poder e inquestionabilidade do que o pontífice romano o faz no Vaticano.
E aquilo que o protestantismo sempre teve horror, ressurgiu em seu meio, o culto à personalidade, o culto à liderança, e o papismo.
(...)
Há outro aspecto do pentecostalismo que se disassociou bastante das idéias de seu primeiro líder e fundador.
Saymor era homem simples, homem do povo, homem do sofrimento.
Fundou um pentecostalismo de cunho social, como ainda o é boa parte do pentecostalismo de característica afro.
Penso que ele jamais iria imaginar que o pentecostalismo acabaria por gerar um filho feio, o neopentecostalismo e o culto disfarçado à Mamom.
Além do que, salvo supreendentes exceções no meio neopentecostal, o que se vê do pentecostalismo é, de modo geral, uma ausência de preocupação em relação aos aspectos de cunho social.
Poderosas denominações pentecostais não se ativeram muito a isso. Será porque a maior parte dos pentecostais é composta de gente do povo?
Costuma-se dizer que brasileiros não tem muita consciência histórica. Entre os evangélicos pentecostais talvez seja assim também.
É surpreendente conhecer um pouco da história de Saymour, pois veremos nele um homem verdadeiramente santo, gentil, manso, humilde, tolerante e cheio de amor e misericóridia.
Um homem, cuja liderança era forte, e, justamente por isso, foi fraca, pois permitiu-se ser ignorado e rejeitado, como o próprio Jesus.
Há muito o que se aprender da história deste homem. O pentecostalismo será melhor se seguir o seu exemplo.
Faço somente uma última observação. Escrevo de dentro da tradição pentecostal. Apesar de tudo, há também muitos aspectos positivos do pentecostalismo que não mencionei, e que certamente seriam objeto de aprovação de Seymour.
Nunca um movimento elevou a posição de lideranças pessoas que foram ignoradas por sua sociedade. No Brasil, mulheres e negros encontraram posição de destaque sem correspondência em nenhum outro setor da sociedade. É a religião mais negra do Brasil, já constatou certo estudo. Estudos do sociólogo Ricardo Mariano, entre outros, mostram a ascendência social de diversos grupos que se pentecostalizaram.
O pentecostalismo, ao contrário de boa parte das igrejas históricas, logrou êxito em levar sua mensagem às massas carentes, pois é um movimento do povo e para o povo, pelo menos em um primeiro momento.E despertou nos jovens, de maneira decisiva, o interesse pelo evangelho, já desgastado por velhas teologias.
Portanto, não há só críticas a se fazer. Há muito o que se preservar. Há muito o que se aprender. E voltar nossos olhos para Seymour pode ser o começo de novas reformas...
Saymour morreu de tristeza. Estaria ele feliz com o pentecostalismo hoje, caso estivesse entre nós?...
Saymor era homem simples, homem do povo, homem do sofrimento.
Fundou um pentecostalismo de cunho social, como ainda o é boa parte do pentecostalismo de característica afro.
Penso que ele jamais iria imaginar que o pentecostalismo acabaria por gerar um filho feio, o neopentecostalismo e o culto disfarçado à Mamom.
Além do que, salvo supreendentes exceções no meio neopentecostal, o que se vê do pentecostalismo é, de modo geral, uma ausência de preocupação em relação aos aspectos de cunho social.
Poderosas denominações pentecostais não se ativeram muito a isso. Será porque a maior parte dos pentecostais é composta de gente do povo?
Costuma-se dizer que brasileiros não tem muita consciência histórica. Entre os evangélicos pentecostais talvez seja assim também.
É surpreendente conhecer um pouco da história de Saymour, pois veremos nele um homem verdadeiramente santo, gentil, manso, humilde, tolerante e cheio de amor e misericóridia.
Um homem, cuja liderança era forte, e, justamente por isso, foi fraca, pois permitiu-se ser ignorado e rejeitado, como o próprio Jesus.
Há muito o que se aprender da história deste homem. O pentecostalismo será melhor se seguir o seu exemplo.
Faço somente uma última observação. Escrevo de dentro da tradição pentecostal. Apesar de tudo, há também muitos aspectos positivos do pentecostalismo que não mencionei, e que certamente seriam objeto de aprovação de Seymour.
Nunca um movimento elevou a posição de lideranças pessoas que foram ignoradas por sua sociedade. No Brasil, mulheres e negros encontraram posição de destaque sem correspondência em nenhum outro setor da sociedade. É a religião mais negra do Brasil, já constatou certo estudo. Estudos do sociólogo Ricardo Mariano, entre outros, mostram a ascendência social de diversos grupos que se pentecostalizaram.
O pentecostalismo, ao contrário de boa parte das igrejas históricas, logrou êxito em levar sua mensagem às massas carentes, pois é um movimento do povo e para o povo, pelo menos em um primeiro momento.E despertou nos jovens, de maneira decisiva, o interesse pelo evangelho, já desgastado por velhas teologias.
Portanto, não há só críticas a se fazer. Há muito o que se preservar. Há muito o que se aprender. E voltar nossos olhos para Seymour pode ser o começo de novas reformas...
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