Dificilmente os ricos entrarão no Reino de Deus (Marcos 10.17-31)

Leitura: Marcos 10.17-31

O texto nos diz que um homem correu ao encontro de Jesus, se ajoelhou, e, chamando Jesus de Bom Mestre, o questiona como deveria fazer para herdar a vida eterna (vers. 17).

Jesus pergunta por que chamá-lo de bom, dizendo que "ninguém é bom, senão Deus" (vers. 18).

Os detratores da divindade de Cristo enxergam aqui a prova cabal de que o Senhor era somente humano. Afinal, o próprio Jesus não se incomodou pelo fato de ter sido chamado de bom? Não foi ele quem disse que só Deus é bom?

Podemos entretanto, ver um significado mais profundo na pergunta de Jesus. Ele estava dando uma oportunidade para que aquele homem refletisse profundamente acerca daquele a quem estava dirigindo. É bem verdade que no evangelho segundo Marcos não temos a mesma cristologia altíssima do evangelho segundo João. Porém, poderemos enxergar nas entrelinhas a divindade de Cristo, mesmo em Marcos, mesmo nos outros sinóticos. Jesus é aquele que saber exatamente o que vai no coração dos homens (Mc 2.8).

O Senhor então menciona alguns mandamentos para aquele homem referentes à segunda tábua da lei. Não sabemos com certeza o motivo pelo qual ele trocou o "não cobiçarás" por "não defraudarás". Talvez estivesse demonstrando o pecado daquele homem, que até aqui, neste texto, não fora revelado de que era rico. Defraudar era o pecado próprio daqueles que retinham riquezas injustamente, e que era algo condenado pelas Escrituras (Lv 19.13; Tg 5.4). Também não sabemos com certeza o motivo pelo qual o Senhor não mencionou os mandamentos referentes à primeira tábua da Lei. Talvez, fossem óbvios demais para um judeu. Além do que, quem cumprisse os mandamentos da segunda tábua da Lei, certamente também estaria cumprindo os da primeira, afinal, a lei se resume no amor.

Aquele homem respondeu que tudo aquilo estava fazendo desde a sua mocidade (vers. 20). Jesus não o desmentiu explicitamente. Entretanto, é possível que o autoexame daquele homem não estivesse sendo assim muito profundo. 

Fato é que o Senhor o fitou com amor (poucas vezes os evangelhos mencionam tal amor explícito de Jesus assim por alguém), e disse que faltava àquele homem uma coisa, qual seja, ir, vender todos os seus bens, dar aos pobres e que assim teria um tesouro no céu. E que depois, deveria segui-lo (vers. 21).

Ocorre que o homem ficou bem contrariado com aquela palavra, e foi embora triste, pois era dono de mutias propriedades (vers. 22). Será que esse homem estaria debaixo da condenação de Isaías 5.8?

Vejam que somente agora foi revelado no texto que aquele homem era rico. É isso que eu quero dizer com uma divindade implícita no texto de Marcos. Somente Deus poderia saber exatamente o que faltava para aquela pessoa herdar o reino de Deus. Ele tinha que vender tudo. Isso nunca foi uma regra inflexível para todas as pessoas ricas nas Escrituras. Entretanto, para aquele homem, era necessário. Jesus viu isso, e aquele homem falhou em atender aquele que chamou de Bom Mestre.

Então, o Senhor, didaticamente, aproveitou a ocasião para ensinar algo aos seus discípulos, dizendo que dificilmente entrarão no Reino de Deus os que têm riquezas (vers. 23).

Esse ensinamento foi espantosos para os discípulos (vers. 24), pois para estes, certamente um homem rico era muito abençoado por Deus, e sua riqueza era sinal da aprovação divina. Entretanto, o Senhor ressalta que será muito difícil um rico entrar no Reino (algumas versões trazem "os que confiam nas riquezas", mas isso pode ser uma interpolação posterior).

Então o Senhor sentencia dizendo que "é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus" (vers. 25).

Muita gente tentar interpretar de várias formas esse versículo no sentido de se tentar tirar a radicalidade das palavras do Senhor. Mas avaliando calmamente o que nosso Senhor está dizendo, a conclusão é exatamente o que ele disse: dificilmente um rico entrará no Reino, e ponto!

Os discípulos ficaram maravilhados (vers. 26), demonstrando o quanto estavam imbuídos de uma teologia equivocada. Chegam a perguntar quem poderia ser salvo então, afinal, se um homem, que para eles era abençoado por ser rico não seria salvo, quanto mais o restante das pessoas.

E então Jesus iguala todos, dizendo que para o homem, independente de riquezas, é impossível ser salvo, mas que para Deus tudo era possível (vers. 27), ou seja, o Senhor colocou sua confiança inteiramente em Deus. Somente Deus pode salvar.

Foi então que Pedro, talvez o mais ousado dos apóstolos, lembrou Jesus de que eles largaram tudo para seguir ao Senhor (vers. 28), e este respondeu que receberiam cem vezes mais aqueles que fizeram isso por amor ao evangelho, e isso com perseguições, mas por fim, a vida eterna (vers. 29-30), que era o que o homem rico estava procurando. Será que aqui o Senhor não está apontando um caminho para todos nós?

Após o Senhor afirma que muitos primeiros serão últimos e vice versa (vers. 31) apontando a inversão escatológica do reino (do tipo que as prostitutas herdarão o reino antes dos religiosos, os gentios, antes de muitos judeus, pobres, antes de muitos ricos).

Essa foi uma ocorrência espantosa para os discípulos, pois acreditavam que, de algum modo, gente rica era muito abençoada por Deus.

Entretanto, para algumas pessoas, as riquezas se tornam verdadeiros ídolos, de modo que, o pecado da avareza se torna em idolatria (Colossenses 3.5).

A riqueza, nomeada por Jesus de Mamon, era algo concreto, palpável, enquanto que a fé exige confiança n'Aquele que não se pode ver!

Aquele homem rico, embora procurasse viver uma vida eticamente responsável, estava colocando algo acima de Deus em seu coração, ou seja, as suas riquezas.

Quando foi desafiado pelo Senhor a vender e distribuir tudo aos pobres, se entristeceu profundamente. O Senhor o chamou para uma libertação. Para sentir a alegria de repartir. De parar de fazer a busca pela vida eterna uma via individualista, porém, coletiva, abençoadora, pois "bem aventurado é dar do que receber". De ter Jesus como sua única riqueza. Porém, aquele homem era apegado às suas propriedades, de modo que falhou no chamado que recebeu. Nada há no texto que indique que aquele homem adquiriu suas riquezas pelo roubo ou exploração (embora tal hipótese não possa ser descartada), entretanto, em seu coração, Deus não era prioridade.

Que cada um de nós possa avaliar profundamente se tem algo em nossos corações que amamos mais que ao Senhor.

Deus em muito nos abençoe!

O jovem rico
Pixabay




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