Panorama do Novo Testamento: Atos dos Apóstolos
(cuida-se do esboço de uma aula ministrada em um curso
popular de teologia)
ATOS é o único livro que
apresenta uma narrativa histórica dos acontecimentos imediatamente posteriores
à ascensão. É o segundo volume da
obra de Lucas (Lc 1.1-4 e At 1.1); o primeiro a utilizar o nome “atos dos apóstolos” foi Irineu, aproximadamente em
190 d. C.
AUTORIA: formalmente,
anônimo. A tradição unânime atribui a Lucas. A partir de At 16.10, o pronome
começa ser usado na primeira pessoa do plural (16.10-17; 20.5 a 21.18; 27.1 a
28.16). Ou seja, o autor da obra, a partir de tais acontecimentos, estava
juntamente com Paulo. O autor esteve com Paulo em Roma (27.1 a 28.16). De Roma,
Paulo escreveu as epístolas da prisão (efésios, filipenses, colossenses,
filemon). Estas epístolas nos dizem algo acerca dos companheiros de Paulo na
ocasião. Aristarco, Marcos, Timóteo, Tíquico, Epafras, Epafrodito, Demas,
Jesus, chamado Justo e Lucas estavam parte ou todo o tempo com o apóstolo.
Aristarco é citado em terceira pessoa (At. 19.29; 20.4; 27.2). Assim também
Marcos (12.12; 15.37,39), Timóteo (16.1; 17.14; etc), Tíquico (20.4), logo, não
são eles os autores. Epafras (Col 1.7-8) e Epafrodito (Fil. 2.25, 4.18) não
estavam com Paulo na viagem a Roma. Demas (Col 4.14) abandonou Paulo (2 Tim
4.10). Jesus, chamado Justo (Col 4.11), não é mencionado mais nenhuma vez, e a
tradição se cala acerca dele. Sobra somente Lucas (Col 4.14). A luz de todas
estas evidências, mais a tradição unânime da igreja, apontam para a autoria
Lucana do Evangelho e de Atos[1].
Leia também:
DATA: Atos foi escrito,
certamente, depois do evangelho, e após a estadia de dois anos de Paulo em uma
prisão romana (At. 28.30). Logo, não pode ter sido escrita antes do referido
fato. A tradição sempre mencionou que fora escrito antes do primeiro julgamento
de Paulo sob Nero. A chegada de Festo à Cesaréia (At 25.1) data de cerca de 57
d.C., segundo apontam os historiadores. Daí, a viagem de Paulo para Roma
provavelmente aconteceu entre 57-58. Os dois anos de Atos 28.30, estavam
provavelmente entre 58-60 (com alguma chance de erro quanto a isso). Muito
provavelmente, Atos foi escrito durante este encarceramento de Paulo, por
vários motivos: o autor nada sabe sobre as epístolas escritas por Paulo; o
encerramento abrupto do livro presume que foi escrito antes de Paulo se
apresentar a Nero; nada fala da morte de Paulo; ainda não havia começado a
perseguição aos cristãos por decreto imperial, e em todo lugar até então as
autoridades romanas tinham declarado a inocência de Paulo; não havia nenhuma
insinuação de que a guerra judaico-romana (66 – 70 d.C.) já havia começado, ou
de Jerusalém ter sido destruída (70 d. C.).
PROPÓSITO: Segundo Carson, relatar a história do início do movimento cristão após a
ascensão de Jesus, no poder do Espírito Santo, e a todos os povos. Entretanto,
muitos outros propósitos foram relacionados pelos estudiosos. Entre eles: 1) mostrar a expansão geográfica do
movimento cristão, de Jerusalém à Roma. Entretanto, é bom lembrar que o
cristianismo chegou a Roma antes de Paulo (Rm 15.22-24 e At 2.10). Tem mais a
ver com método do que com o propósito. 2)
outros dizem que Lucas escreveu um “evangelho do Espírito Santo”. Um professor
antigo dizia que o livro bem que poderia se chamar “Atos do Espírito Santo”. O
progresso inteiro da igreja, segundo Atos, ocorre sob o poder do Espírito
Santo, desde os primeiros capítulos. Entretanto, há muitos capítulos que o
Espírito Santo não é mencionado (3, 12, 14, 17, 18, 22, 23, 24, 25, 26, 27),
daí, não se poder conceber a centralidade do Espírito nesta obra da mesma forma
como a de Jesus no evangelho; daí, segundo Broadus, ser errôneo denominá-la de
“Atos do Espírito Santo”, ou “Evangelho do Espírito Santo”. 3) Ser um “Atos dos Apóstolos” também
não é o propósito de Lucas. Nove dos apóstolos jamais são mencionados nesta
obra sequer pelo nome. Tiago só é mencionado em relação à sua morte (12.12). De
João não se ouve nada após 8.14. Pedro desaparece após At 15. A ênfase maior do
livro, no que se refere aos apóstolos, está primeiramente sobre Pedro, depois
sobre Paulo.
CONTEÚDO: 1. Lucas, conforme atesta a tradição, escreve
a Teófilo certificando acerca da ressurreição e ascensão de Jesus e de sua
ordem determinando aos discípulos que aguardassem em Jerusalém, esperando a
promessa do batismo com o Espírito Santo a fim de receberem poder para testemunharem até aos confins da terra.
Os discípulos perseveram em oração no cenáculo, juntamente com Maria e os
irmãos de Jesus e sorteiam outro apóstolo, Matias, alguém que acompanhou o
ministério de Jesus desde o batismo de João até a ascensão de Jesus.
2. O Espírito Santo vem
sobre os discípulos, sendo distribuídas entre eles, línguas como de fogo,
pousando sobre cada um, falando cada um em outra língua. Muitos que estavam em
Jerusalém ouviram os discípulos falarem acerca das grandezas de Deus em seu
próprio idioma[1].
Muitos zombam, e acusam os apóstolos de estarem bêbados. Pedro prega aos judeus e demais habitantes de Jerusalém,
explicando que o que ocorreu foi cumprimento do que disse o profeta Joel. Três
mil se convertem[2]
e dão os frutos do reino, sendo inclusive batizados.
3. Pedro e João curam, em
nome de Jesus, um coxo de nascença, na porta do Templo. Pedro prega ao povo,
que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó glorificou a Jesus, que fora anunciado
pelos profetas. Acusa os seus ouvintes de terem negado Jesus e o trocado por um
homicida. Prega arrependimento para cancelamento dos pecados.
4. Pedro e João são presos
pelas autoridades religiosas judaicas, mas o número de discípulos subiu para
quase cinco mil. Os apóstolos são interrogados, e Pedro prega às autoridades, acusando-as de terem matado Jesus, e
anunciando sua ressurreição e salvação exclusivamente em seu nome.
Diz também que o homem curado o fora por Jesus. As autoridades não negam a
cura, mas ordenam aos apóstolos que não preguem mais em nome de Jesus, mas
estes advertem que não irão obedecê-los[3], tendo
sido soltos por conta do povo. Os apóstolos contam o ocorrido aos demais
discípulos, reconhecem que a perseguição foi prevista pelos profetas, e oram
pedindo mais poder para testemunharem, ficando novamente cheios do Espírito
Santo[4].
Enquanto isso, a igreja crescia e multiplicava os frutos do Reino.
5. Ananias e Safira morrem
por tentar enganar os discípulos. O número de seguidores cresce e numerosos
sinais e prodígios são realizados pelos apóstolos. Estes são presos pelo
sumo-sacerdote e pelos saduceus, por inveja, em prisão pública. São soltos por
um anjo para voltarem a ensinar no templo. Foram novamente presos, sem
violência, e novamente interrogados. Eles querem matar os apóstolos, mas Gamaliel, um rabi respeitado, os
impede. Eles açoitam os apóstolos e os libertam, e estes se alegram por terem
sofrido em nome de Jesus.
6 – 7. Problemas na igreja.
Helenistas reclamam que suas viúvas
estavam sendo negligenciadas na distribuição diária de alimentos[5].
Eleição de sete diáconos e martírio de Estevão. Interessante que os eleitos, pelos seus nomes, são judeus helenistas. Aqui nasce o ministério diaconal na igreja.
8. Saulo consente na morte de Estevão, e assola a igreja. Dispersão
dos discípulos, menos os apóstolos[6], às
regiões da Judéia e Samaria, e iam pregando o evangelho, havendo destaque para Felipe, um dos sete, que pregava e
fazia grandes sinais. Interessante notar que a ênfase da dispersão seja acerca dos helenistas, e não dos judeus (os sete, eram helenistas, ao contrário dos apóstolos). Muitos são
batizados, e Pedro e João foram enviados pelos demais apóstolos à Samaria para
orar pelos que receberam o evangelho, para que recebessem o Espírito Santo, demonstrando que a igreja, mesmo fundada por helenistas, está sob a liderança dos apóstolos[7]. Simão,
o mágico, tenta “comprar” o poder do Espírito Santo. Felipe, por ordem de um
anjo, evangeliza um oficial etíope, e após, foi evangelizar todas as cidades
até chegar em Cesaréia[8].
9. A conversão e o início
do ministério de Saulo a caminho de Damasco[9]. Principais pontos da teologia paulina se encontram neste relato de conversão. Fuga
para Jerusalém. O testemunho de Barnabé. Envio para Tarso, e paz na igreja na Judéia,
Galiléia e Samaria, que crescia. Pedro vai para Lida, e cura Enéias, que estava
a oito anos de cama. Após, é chamado para Jope, e ressuscita Tabita, discípula
notável pelas boas obras e esmolas que fazia.
10. Conversão de Cornélio e de toda a sua casa ao evangelho, por intermédio de
Pedro, que precisa ser curado de seu preconceito contra os gentios.
11. Pedro é inquirido pelos
da circuncisão (cristãos) do porque dele ter comido com incircuncisos. Pedro dá um relato detalhado do ocorrido, e aqueles cristãos judeus, se alegram com o testemunho de conversão dos gentios. A igreja
se espalhara e crescia por intermédio daqueles que foram perseguidos outrora em
Jerusalém. Barnabé é enviado à Antioquia. Ele foi para Tarso, e trouxe Paulo à
Antioquia[10],
e eles ensinaram numerosa multidão. Grande a importância de Barnabé no ministério de Paulo. Neste local, os discípulos são chamados
pela primeira vez de cristãos. A
igreja de Antioquia envia suprimentos para Judéia, pelas mãos de Saulo e
Barnabé, diante de uma fome que fora profetizada por Ágabo, profeta de
Jerusalém.
12. Tiago, irmão de João, é
martirizado por Herodes, e para agradar os judeus, prendeu Pedro. A igreja
intercedia incessantemente pelo apóstolo. Um anjo do Senhor o liberta. Ele vai
à casa da mãe de Marcos, onde havia muitos que congregavam e oravam, e que se
alegraram com a sua libertação. Herodes manda “justiçar” os guardas, e após um
discurso em que foi aclamado como um deus foi ferido por um anjo do Senhor, e
morreu. Barnabé e Saulo voltam para Jerusalém.
13. A igreja em Antioquia separa,
por ordem do Espírito Santo, a Barnabé e Paulo, e eles foram para Selêucia e
dali partiram para Chipre, tendo anunciado o evangelho em Salamina.
Evangelizam, em Pafos, Barjesus, falso profeta e o procônsul Sérgio Paulo,
sofrendo oposição de Elimas, o mágico, que fica cego por ordem de Paulo. Eles
vão a Perge da Panfília, e depois para Antioquia da Pisídia, e João se aparta
deles e volta para Jerusalém. Paulo prega em uma sinagoga. Judeus tomados de
inveja, resistem, e eles se voltam para os gentios, que recebem a palavra com
alegria. Eles são expulsos da cidade por instigação dos judeus.
14. Eles pregam numa
sinagoga em Icônio, e creram muitos judeus e gregos. Em nova perseguição, eles fogem para Listra e Derbe, e anunciam o
evangelho. Paulo cura um paralítico de nascença em Listra, e a multidão os
trata como deuses, sendo impedidos pelos apóstolos. Paulo é apedrejado por
instigação dos judeus, e é arrastado como morto para fora da cidade. Eles foram
para Derbe, anunciam o evangelho, depois voltam para Listra, Icônio e
Antioquia, fortalecendo os discípulos, elegendo presbíteros. Atravessam a
Pisídia, vão para Panfília, anunciam em Perge, descem a Atália, e retornam para
Antioquia.
15. É realizado o concílio
de Jerusalém para resolver a questão da circuncisão entre os gentios. Gentios
não precisam ser circuncidados. Paulo e Barnabé, depois, voltam por todas as
cidades que haviam pregado o evangelho. Desavença por conta de João Marcos.
Paulo leva Silas consigo e se separa de Barnabé.
16. Encontro com Timóteo em
Listra, de pai grego, sendo circuncidado[11]. Paulo
tem uma visão para ir à Macedônia, após ser impedido pelo Espírito Santo de ir
a outros lugares. Foram de Trôade para Semotrácia, a Neápolis e a Filipos.
Conversão de Lídia. Expulsão de um espírito adivinhador de uma jovem, que dava
lucro aos seus senhores. Paulo e Silas são levados às autoridades romanas,
sendo eles açoitados e encarcerados. Um terremoto abriu todas as selas, e após,
houve a conversão do carcereiro e de toda sua casa. As autoridades os libertam,
e temem, pois eram cidadãos romanos.
17. Paulo prega e
Tessalônica, e converte judeus e gentios. Judeus invejosos querem prendê-los, e
arrastam Jasom que os hospedou. Paulo e Silas vão para Beréia, e os bereanos
recebem com avidez seu ensino, convertendo grande número de pessoas. Paulo
parte para Atenas, ficando Silas e Timóteo. Paulo prega aos atenienses[12].
18. Paulo parte para
Corinto. Conhece Áquila e Priscila. Conversão de Crispo, o principal da
sinagoga e de muitos outros. Paulo é levado diante Gálio, procônsul da Acaia,
que não quer se meter na questão. Viagem de retorno à Antioquia. Confirmação
dos discípulos da Galácia e Frígia. Áquila e Priscila convertem Apolo, em
Éfeso.
19. Rebatismo, em Éfeso[13], de
discípulos de João, que recebem o Espírito, e oram em línguas e profetizam.
Paulo ensina nas sinagogas e em uma escola. Oposição dos judeus. Milagres
extraordinários. Judeus exorcistas apanham de um demônio. Muitos se arrependem
e se convertem. Oposição dos “empresários” da religião e dos adoradores de
Diana dos efésios que se reúnem no teatro. Grande confusão. O escrivão da
cidade apazigua o povo e dispersa a assembléia.
20. Paulo parte para a
Macedônia, Grécia e volta para Macedônia. Depois para Filipos, acompanhado.
Discurso longo de Paulo e queda de Êutico. Ida a vários lugares: Assôs,
Mitilene, Quios, Samos, Mileto. Reunião com os presbíteros de Éfeso e
emocionante despedida.
21. De Mileto vão para
Cesaréia. Estadia na casa de Filipe. Profecia de Ágabo. Chegada em Jerusalém. Paulo é aconselhado
a arcar com as despesas de voto de quatro homens para mostrar que não é contra
Moisés. Paulo recebe várias acusações de judeus que chegaram da Ásia e passa a
ser espancado, sendo que o comandante romano impede o espancamento. Paulo
discursa e fala acerca do seu testemunho. Paulo é preso e revela sua cidadania
romana.
23. Paulo discursa diante
do Sinédrio. Discussão entre fariseus e saduceus por conta da questão da
ressurreição. Um grupo de judeus faz juramento de matar Paulo, a trama é
descoberta, e ele é escoltado até Cesaréia, até a presença do governador.
24. Os judeus acusam Paulo
diante do governador. Paulo se defende, dizendo que é julgado por causa da
ressurreição dos mortos. Félix ouve Paulo constantemente, e o mantém
encarcerado por dois anos para agradar os judeus, até ser substituído por
Pórcio Festo.
25. Os judeus fazem novas
acusações, sem prova, contra Paulo, diante de Festo. Este sugere que o
julgamento seja transferido para Jerusalém, para agradar os judeus; então Paulo
apela para César.
26. Paulo se defende diante
do rei Agripa, e dá o seu testemunho. Festo acha que Paulo está louco (v. 24).
Agripa quase é persuadido a se tornar cristão (v.28). Seus julgadores entendem
que Paulo é inocente.
27. Paulo navega para Roma,
e profetiza dificuldades. Naufrágio. Todos no navio se salvam e vão para ilha
de Malta.
28. Paulo
é picado por uma serpente. Cura o pai de Públio e muitos outros enfermos. Após,
continuam sua viagem à Roma. Paulo, em prisão domiciliar, dá testemunho do
Cristo para judeus e também, provavelmente, aos gentios, por dois anos.
BIBLIOGRAFIA
CARSON, D.A., MOO, Douglas J, MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1989.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982.
PEARLMAN, Myer. Através da Bíblia, livro por livro. São Paulo: Ed. Vida, 1999.
[1] Um sinal da universalidade da igreja.
[2] Vejam as principais ênfases da pregação de Pedro e os
frutos dos conversos.
[3] Não se deve obediência cega às autoridades.
[4] É impossível expandir a obra sem estar cheio do
Espírito Santo.
[5] Um tipo de racismo na igreja?
[6] Perseguição ao cristianismo judaico-helênico?
[7] Somente era possível receber o Espírito Santo por
imposição de mãos dos apóstolos?
[8] Notem como Deus, até este momento, usou mais Felipe
que os apóstolos para anunciarem o evangelho de Deus em outras regiões.
[9]
De que modo a conversão de Saulo influenciou sua teologia?
[10] Uma reabilitação do ministério de Paulo?
[11]
Logo após o concílio.
[12]
Note a diferença do discurso apostólico quando se trata de uma pregação
exclusivamente aos gentios.
[13]
Terceira viagem missionária
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