FUNÇÕES DA TEOLOGIA

Para que serve a teologia

Quais os serviços que nos presta a teologia? Para que serve? Pode ser que muitos não consigam vislumbrar muito a sua importância , sob o argumento de que o que mais importa é a prática. Ocorre que uma igreja não se perpetua no tempo se não desenvolver uma doutrina, uma teologia, uma tradição. Por exemplo: em meados do sec. II, surgiu um movimento denominado de “montanismo”, por causa de Montano, seu líder. Tal movimento era um tipo de pentecostalismo, e surgiu como reação ao que se considerava frieza e formalismo da igreja católica. O montanismo se tornou tão poderoso, que em alguns lugares talvez tenha sido mais numeroso que a igreja católica. Entretanto, tal movimento parece não ter desenvolvido uma doutrina sólida, nem se institucionalizado, e em meados do sec. IV já havia se extinguido totalmente. Entretanto, igrejas que se separaram da Igreja Católica em meados do sec. V, como a Igreja Armênia, Igreja Copta, Etíope, entre outras, existem até os dias atuais, e contam com milhões de adeptos. Isto porque, entre outros motivos, formaram uma sólida tradição em sua jornada. Portanto, a teologia tem algumas funções importantes que nos presta durante a história da igreja. Vamos ver algumas:

I - FUNÇÃO APOLOGÉTICA: o grego “apologia” significa defesa da fé (1 Pe 3.15). A teologia cristã surgiu justamente de sua função apologética. Quando o evangelho foi apresentado primeiramente aos judeus, sofreu ataque destes, e teve que fazer sua defesa, demonstrando que não se tratava de uma doutrina esdrúxula, de bêbados, mas que era o cumprimento daquilo que a lei e os profetas anunciaram (ex: em Atos 2.14-36, Pedro se defende da acusação de que são homens bêbados, e invoca diversas passagens do Antigo Testamento para anunciar Jesus; em Atos 7.1 -53, Estevão, o primeiro mártir cristão, morreu defendendo sua fé, também invocando passagens do Antigo Testamento). O evangelho também sofreu ataques quando apresentados aos gentios, devendo os apóstolos também fazer a defesa de sua exposição entre os não judeus (ex: em Atos 11.1-18 Pedro se defendo da acusação de ter estado entre os gentios, demonstrando porque lhes pregou o evangelho). Na exposição do evangelho, há sempre sua apologia, sua defesa, pois sempre há obstáculos e acusações. A função apologética da teologia pode ser assim dividida:

1.1 Apologia “extra-eclesia”, (fora da igreja). A apologia “extra-eclesia” é uma apologia voltada para a sociedade, para fora da igreja, e pode ter um caráter defensivo ou ofensivo.

1.1.1 O caráter defensivo da apologia consiste em defender o evangelho de seus acusadores. O cristianismo pós-apostólico sofreu muito quando se difundia pelo mundo greco-romano. Justino Mártir (100-165) escreveu uma obra denominada “apologia” e se dirigiu às autoridades de seu tempo desmentindo as acusações que se faziam aos cristãos (entre elas, de que os cristãos eram ateus, praticavam o incesto, eram canibais, revoltosos, etc). Tertuliano, de Cartago, também escreveu às autoridades, dizendo que o estado romano não estava seguindo suas próprias leis quando perseguiam, encarceravam e executavam os cristãos. Eles escreviam para o Imperador, para o senado, para juízes e outras autoridades. Atualmente, cristãos que vivem em meio a uma maioria hinduísta, maometana, comunista, etc, acabam tendo que fazer o mesmo trabalho apologético para livrarem-se da perseguição religiosa no mundo.

1.1.2 O caráter ofensivo da apologia cristã consiste em procurar demonstrar a superioridade do cristianismo em relação a outras religiões, não para humilhá-las, mas para demonstrar porque Cristo deve ser recebido como Senhor e Salvador. Os mesmos apologistas que defenderam o evangelho de seus acusadores também procuraram demonstrar porque a opção cristã era melhor do que as opções gentílicas. O próprio Justino, Tertuliano, Taciano (Discurso aos helenos), Atenágoras (Súplica pelos Cristãos), Teófilo de Antioquia, Orígenes, entre outros, fizeram este tipo de apologia. Modernamente, quando dizemos que o evangelho expressa a verdade frente a outras religiões como o budismo, o islamismo, o judaísmo, o espiritismo, o hinduísmo, ou mesmo o ateísmo, é este tipo de apologia que fazemos. Um exemplo moderno é a obra de Alister McGrath, “O Delírio de Dawkins”, que responde a outra obra do biólogo inglês “Deus, um delírio”.

2. Apologia intra-eclesia, ou dentro da igreja: é a defesa do evangelho que ocorre contra as heresias, os desvios doutrinários que acontecem dentro da igreja. No Novo Testamento já temos alguns exemplos de tal apologia. A epístola de Paulo aos gálatas, por exemplo, é uma defesa do evangelho contra a tentativa de alguns judaizantes em circuncidar os gentios que se convertiam (Gálatas 5.2-5). A epístola de Paulo aos colossenses é uma defesa (e um ataque) contra diversas heresias, como a especulação filosófica grega (2.8); culto aos anjos (2.18) e o extremo legalismo ascético (2.20-23) que estavam entrando na igreja. A primeira epístola de João é uma apologia contra um tipo de pré-gnosticismo, doutrina esta que negava a realidade do pecado (1 Jo 1.8-9); negava que Jesus tinha vindo em carne (1 Jo 4.2-3) entre outras heresias. O cristianismo pós-apostólico também enfrentou diversas outras heresias na igreja, entre elas, talvez a mais difícil de todas, o arianismo (doutrina esta que negava a divindade de Jesus), que culminou com o Concílio de Nicéia (325) e a elaboração do Credo Niceno-Constantinapolitano, que afirmava a doutrina da Santíssima Trindade.

II - FUNÇÃO DIDÁTICA: a função didática da Teologia consiste no ensino catequético aos membros da igreja e se divide em dois aspectos: um teórico (ou doutrinário) e outro prático, que devem caminhar sempre juntos.

No aspecto teórico, estudamos tudo o quanto diga respeito acerca de Deus, a história da salvação, os conteúdos das Escrituras e do Santo Evangelho. É um conhecimento teórico que deve buscar nos levar a um conhecimento existencial, relacional com Deus. Perguntamos quem é Deus, Cristo, o Espírito Santo, o ser humano, o evangelho, a salvação, a igreja, etc. Não há nada mais importante para a vida do que o conhecimento de Deus, a ponto de Paulo dizer que “todos os tesouros da sabedoria e conhecimento estão ocultos em Cristo” (Col 2.2-3). Alguns, erroneamente, acham que doutrina não é tão importante, e sim a prática. Nada mais errôneo, visto que o próprio Paulo disse que, aquele que pregasse um evangelho diferente do que ele pregou deveria ser considerado anátema (Gálatas 1.8). O evangelho não nos fala somente de práticas, sentimentos ou emoções, mas de doutrina também.

No aspecto prático, a teologia nos ensina como devemos viver ao assumirmos nossa identidade e vida cristã. O foco para os cristãos como indivíduos é que cada um viva tendo como modelo a própria vida de Jesus (1 Jo 2.9). Isto porque, este é o próprio foco de Deus em nossas vidas (Rom 8.29). Entretanto, não vivemos o cristianismo isoladamente, e sim em comunidade. Neste sentido, o evangelho nos ensina que, em comunidade, tenhamos como modelo a própria imagem da Trindade (João 17.21-23). Podemos dizer que no aspecto prático, então, cada cristão deve refletir a imagem de Cristo, buscando imitá-lo em tudo, e cada comunidade, a imagem da Santíssima Trindade, ou seja, uma pluralidade de pessoas vivendo em amor e em unidade; todos voltados para o mútuo serviço e para expressar o amor de Deus ao mundo.

III - FUNÇÃO QUERIGMÁTICA: querigma significa proclamação, anúncio. Tem a ver com a missão da igreja em proclamar o evangelho a toda criatura. Esta função da teologia, extremamente importante, contará muitas vezes com o apoio de outras áreas do saber, como a lingüística, a antropologia, a sociologia, estudo comparado das religiões, etc, pois é desejável que, por exemplo, o missionário tenha algum conhecimento do povo que busca atingir com a pregação do evangelho. De qualquer modo, para uma teologia genuinamente evangélica, o conteúdo principal da pregação é a vida, morte e ressurreição de Cristo, seu Senhorio, o significado de sua vida e ressurreição para a salvação da humanidade, o arrependimento para o perdão dos pecados, e a adesão ao povo de Deus pelo Batismo e sua permanência pela participação na Santa Ceia. É isso que a função missionária da teologia buscar fazer. O estudo da teologia sempre deve estar associado ao anúncio do evangelho. Ex: Atos 2.39; 4.33; 8.5; 8.12; 8.29-35; 10.36; etc.

CONCLUSÃO: procuramos esquematizar um pouco as funções que a teologia presta à igreja e ao seu povo. Vejam que tais funções estão todas interligadas. Por exemplo, quem defende o evangelho, de certa forma ensina e proclama. Quem proclama, defende o evangelho e ensina. E quem ensina, de certa forma, também proclama e faz apologia ao evangelho. A divisão que fazemos se dá pelo fato que, em cada momento existencial, uma destas ênfases é que está sendo dada.

Leia também:

Doze motivos para estudar teologia

Teologia: conceitos e tipos

Fontes da teologia

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