A morte substitutiva de Cristo por nós



"Rejeitamos fortemente, portanto, toda explicação da morte de Cristo que não possui no centro o princípio da 'satisfação através da substituição', em verdade, a auto-satisfação divina através da auto-substituição divina. A cruz não foi uma troca comercial feita com o diabo, muito menos uma transação que o tenha tapeado e apanhado numa armadilha; nem um equivalente exato, um 'quid pro quo' que satisfizesse um código de honra ou um ponto técnico da lei; nem uma submissão compulsória da parte de Deus a uma autoridade moral acima dele da qual ele, de outra forma, não poderia escapar; nem um castigo de um manso Cristo por um Pai severo e punitivo; nem uma procuração de salvação por um Cristo amoroso de um Pai ruim, relutante; nem uma ação do Pai que deixasse de lado Cristo como Mediador. Em vez disso, o Pai justo e amoroso humilhou-se, tornando-se em seu Filho Unigênito e através dele carne, pecado e maldição por nós, a fim de remir-nos sem comprometer seu próprio caráter. Necessitamos cuidadosamente definir e salvaguardar os termos teológicos 'satisfação' e 'substituição', mas não podemos, em circunstância alguma, abrir mão deles. O evangelho bíblico da expiação é Deus satisfazendo-se a si mesmo e substituindo-se a si mesmo por nós.

Pode-se dizer, portanto, que o conceito de substituição está no coração tanto do pecado quanto da salvação. Pois a essência do pecado é o homem substituindo-se a si mesmo por Deus, ao passo que a essência da salvação é Deus substituindo-se a si mesmo pelo homem. O homem declara-se contra Deus e coloca-se onde Deus merece estar; Deus sacrifica-se a si mesmo pelo homem e coloca-se onde o homem merece estar. O homem reivindica prerrogativas que pertencem somente a Deus. Deus aceita penalidades que pertencem ao homem somente".


(John Stott, em "A cruz de Cristo", Ed. Vida, p. 144)


Stott é um dos notáveis teólogos anglicanos evangélicos dos últimos tempos. Juntamente com ele, cito também J. I. Packer (O conhecimento de Deus); Alister McGrath (Introdução a Espiritualidade Cristã); N.T. Wright (Simplesmente Cristianismo), C.S.Lewis (Cristianismo Puro e Simples), entre outros. Curiosamente, não obstante serem anglicanos, no Brasil, e talvez em boa parte do mundo cristão, são mais lidos pelos evangélicos (eu mesmo, tive contato com tais obras via "Assembléia de Deus"). Penso que a grande riqueza e trunfo teológico no anglicanismo é justamente essa possibilidade de produção teológica com a ajuda de séculos da tradição (visto que a Igreja Anglicana considera-se em continuação com a antiga igreja católica), quanto pela ampla liberdade de produção teológica que geralmente parece ter caracterizado a mencionada igreja.  Considero a obra "A cruz de Cristo" como de leitura obrigatória para todo cristão (mesmo católicos romanos e ortodoxos poderão tirar, em minha opinião, proveito de tal leitura), ainda que em determinada parte, possam discordar no aspecto soteriológico.

Comentários

Mais visitadas da semana

Resenha da obra "Ego Transformado", de Tim Keller

Aprendendo com os erros do Rei Amazias

E não endureçais os vossos corações (Hebreus 3.7-13)

494 Anos de Reforma Protestante

Lidando com a traição e as injustiças da vida - o exemplo de José do Egito

O amor não é sentimento, é mandamento

A triste história do Rei Asa

Panorama do Novo Testamento: O Evangelho de João

Quem veio primeiro: A Igreja ou as Escrituras?

Aprendendo a orar: Sejamos específicos em nossas orações