Panorama do Novo Testamento: o evangelho de Lucas



(continuo aqui expondo os esboços das aulas que ministrei em algumas escolas populares evangélicas acerca de um Panorama do Novo Testamento)

- Considerado uma das mais belas produções literárias já escritas (vocabulário, gramática, composição);

Leia também:
Introdução aos evangelhos
O evangelho de Marcos
O evangelho de Mateus
O evangelho de João
Atos dos Apóstolos

- O mesmo autor produziu Lucas e Atos (Lc 1.1-4; At 1.1), sendo que a tradição unânime atribui tais obras à Lucas. Ele é o médico amado (Col 4.14), o companheiro fiel de Paulo (II Tim 4.11). (Broadus, p. 104, 105). Lucas era gentio (Col 4.10-11), companheiro de Paulo e médico. Lc e At são como dois volumes sobre a história do cristianismo (início e desenvolvimento). Um se refere à vida e ministério de Jesus (o evangelho) e outro, à expansão da igreja (Atos); Lc é, de certa forma, considerado o primeiro historiador da igreja;
- Lc é o maior contribuinte para o Novo Testamento, em termos de quantidade de escrita;
- Este evangelho data provavelmente da década de 60 d.C. O local mais provável de sua criação, no entender dos estudiosos foi Antioquia.
- Apresenta Jesus como “o perfeito homem divino” (Pearmal). Escreveu para o povo grego, cujos propósitos eram melhorar o homem moral, intelectual e fisicamente, e cujo ideal era o homem perfeito (Pearlman, p. 205-206).
- Ele declara o seu propósito em escrever (Lc 1.1-4). Junto com os demais evangelistas, Lc estabelece um relato da vida, morte e ressurreição de Cristo. Mas é o único a colocar um prefácio em seu relato, e quer dar plena certeza das verdades em que Teófilo (Teo+filo=amigo de Deus) fora instruído, com base no que disseram as testemunhas oculares e ministros da palavra, investigando inclusive outras fontes de pessoas que empreenderam uma narração coordenada dos fatos. Lucas procura estabelecer uma exposição em ordem, bem como a continuidade entre a história judaica e o cristianismo e procura mostrar como a separação ocorreu por parte dos judeus:
• Jesus é apresentado como um legítimo homem criado na piedade judaica, com mais detalhes que os demais evangelhos: 2.21 (circuncisão); 2.22-24 (apresentação); 2.25-38 (confirmação); 2.41 (ida à Jerusalém); 2.42 (visita ao templo aos doze anos); 2.51 (obediência aos pais); 4.16 (sinagoga aos sábados).
• É o único dos evangelistas que dá maiores detalhes do nascimento e infância de João Batista e de Jesus. Outras passagens exclusivas em Lucas: vide Carson, p. 143.
• Demonstra o senso de Jesus acerca de sua própria missão (4.14-30). Jesus se apresenta como o cumprimento da promessa de Isaias 61.2, pois pregou apenas o “ano aceitável do Senhor” (v. 19). Repare que Jesus não mencionou o “dia da vingança do nosso Deus” (Is 61.2b). Para a teologia cristã, isto é proposital, tendo em vista que tal ocasião será quando da sua segunda vinda.
• Demonstra que Jesus ensina que, tudo o quanto dissera aos seus discípulos que lhe aconteceria deveria ser entendido à luz do que fora dito pelos profetas (Lc 24.44), o que serve de inspiração para que os discípulos de Cristo façam sempre uma leitura “cristocêntrica” do Antigo Testamento.
• Lucas demonstra que Jesus nunca quis sair da sinagoga nem do templo, ou abandonar o judaísmo, entretanto, que fora rejeitado pelos judeus (4.29; 19.41-44; 23.1-2).
- Neste evangelho é combatido o exclusivismo judeu: 2.14; 2.32; 3.6; 4.25-27; 10.30-37; 13.29; 17.16.
- Os ministérios de João Batista e de Jesus são demonstrados como não constituindo nenhuma ameaça ao Estado, ou seja, sem uma natureza eminentemente política (era importante demonstrar que os discípulos não eram uma ameaça ao Estado):
publicanos são batizados e aconselhados, assim como soldados, ou seja, ambos representantes do estado romano: (3.12-14). Repare que João Batista não determina que estas classes de pessoas abandonem suas profissões, mas sim que se comportem de maneira ética em seu exercício. Ou seja, não há nada do ódio judeu contra os gentios, nem do nacionalismo judaico em sua pregação.
• João Batista e Jesus são identificados como um cumprimento de Isaias 40.3, enfatizando que o reino não tem uma natureza política, no sentido estrito do termo, mas sim ética: João pregou batismo e arrependimento (3.3); preparou o caminho do Senhor (3.4); pregou a partilha dos bens para com os necessitados (3.11); aconselhou publicanos e soldados (3.12-14); anunciou o messias (3.15-16); anunciou o Juízo (3.17). Ou seja, nada em sua pregação era uma ameaça direta ao estado romano, pois não tinha conteúdo propriamente político; por isso, Lucas enfatiza que sua prisão foi uma questão puramente ética e pessoal contra João (ler 3.19-20);
• Demonstra a morte de Jesus como um profeta e como fruto da rejeição que este sofre, e não como um político revolucionário (Lc 13.31-35). O próprio encontro de Jesus com Zaqueu, maioral dos publicanos, demonstra que sua profissão não foi rejeitada, mas tão somente eticamente transformada à luz do Reino (19.8-10).
• embora os ministérios de João e Jesus não tivessem uma natureza eminentemente política, e sim ética, ambos poderiam ocupar uma posição de proeminência. João era filho de sacerdote (1.5,9), e bem poderia ter sido sacerdote também. Entretanto, na época do seu ministério, havia dois sumos sacerdotes (3.2), e a voz de Deus teve que “clamar no deserto”. Jesus é chamado pelas multidões de Rei neste evangelho (19.38), diferentemente dos demais evangelistas (Mt 21.10; Mc 11.9-10), e ele realmente o era, pois fazia parte da descendência de Davi (1.32).
• os escribas e sacerdotes procuravam colocar Jesus como um transgressor político (20.19-20).
• Lucas mais explicitamente procura afastar dos romanos a culpa, pelo menos direta, pela morte de Jesus: Pilatos declara a inocência de Jesus por três ocasiões (23.4, 14, 22). Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia, acrescenta seus julgamento acerca da inocência de Jesus (2.15). O próprio centurião romano declara Jesus inocente (23.47). O evangelista demonstra ao seu público que os romanos absorveram Jesus, e só o crucificaram por pressão judaica (23.23-25). Ou seja, Lucas demonstra que nem João ou Jesus tinham uma pregação direta contra Roma, e que nem Roma tinha motivos para nada terem contra Jesus e seus seguidores.
- Lucas enfatiza também a ressurreição como acontecimento histórico (24.39): havia cicatrizes nas suas mãos e em seus pés; ele era tangível, ou seja, poderia ser tocado; ele podia comer na presença deles (24.42-43; At 10.40-41), ao contrário de muitos estudiosos modernos que opinam que a ressurreição de Jesus foi do tipo místico ou simbólica.
- Alguns estudiosos viram em Lucas alguém que “dividiu a história da salvação em três estágios” (Conzelmann). O primeiro período é o de Israel, que vigorou até João Batista (16.16). O segundo período é o do ministério de Jesus (4.16-21; At 10.38), até sua ascensão. O terceiro período é o da igreja, entre a ascensão e a volta de Cristo (parousia), em sua atividade missionária, no poder do Espírito Santo.
- Segundo Broadus, somente no evangelho de Lucas, em relação aos demais sinóticos, Jesus é chamado de Salvador (2.11). Também somente em Lucas, dos sinóticos, são usados o substantivo “salvação” e o adjetivo “salvo”.
- Lucas dá especial atenção aos não valorizados da sociedade.
• há um olhar mais simpático sobre os samaritanos: 10.25-37; 17.11-19;
• os pobres recebem uma especial atenção neste evangelho, e o mau uso das riquezas é combatido: 1.53; 6.20; 6.24; 12.16-21; 12.31; 16.9-11 e 13-15; 16.19-31; 18.24-25; 19.8-10; 21.1-4.
• neste evangelho, uma especial atenção era dada às mulheres, em um contexto em que era considerado indigno que um mestre as ensinasse tão de perto: 7.36-38; 8.1-3; 10.38-42; etc.
• às crianças é dedicada especial atenção: 1.15; 1.24; 1.36; 1.41-44; 1.76; 1.80; 2.27; 2.34; 2.38; 2.40; 2.52; 7.12; 8.42; 9.38; 9.46-48; 18.115-17.
- Lucas é o evangelista que mais expressa interesse pelo Espírito Santo (mais do que Mateus e Marcos juntos): 1.15; 1.35; 1.41, 67; 2.25-27; 3.16; 3.22; 4.1; 4.14; 4.18; 10.21; 11.13; 12.12; 24.49.
- Grande ênfase na vida de oração de Jesus e seus ensinos sobre o tema: 3.21; 5.16; 6.12; 9.18; 9.28-29; 10.21; 11.1; 11.5-8; 18.1-8; 18.9-14; 21.34-36; 22.31-32; 22.39-46; 23.34, 46.
- O evangelho segundo Lucas é o que maior ênfase dá ao cântico, ao júbilo; à alegria; à glorificação: 1.46-55 (Maria); 1.68-79 (Zacarias); 2.29-32 (Simeão); 1.14, 44, 47; 2.20; 7.16; 10.21; 13.13; 15.6-7, 9-10, 24, 32; 19.6. É o evangelho que mais utiliza o termo regozijo (verbo chairein e substantivo chara).
- Este evangelho expressa o ardente amor de Deus pelos pecadores e o seu júbilo quando se arrependem: Lc 15.

Observação: este esboço não segue um padrão acadêmico estrito, e foi utilizado na ministração de um curso popular de teologia não acadêmica. A Bibliografia utilizada foi mencionada no início da série, e despropositadamente, eventualmente alguma citação deixou de ser realizada. A intenção de postar este esboço é para que sirva de apoio para quem deseja ter uma rápida noção acerca da obra analisada.


CARSON, D.A., MOO, Douglas J, MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1989.

KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982. PARLMAN, Myer. Através da Bíblia, livro por livro. São Paulo: Ed. Vida, 1999.


Comentários

Postar um comentário

Mais visitadas da semana

E não endureçais os vossos corações (Hebreus 3.7-13)

Aprendendo com os erros do Rei Amazias

Lidando com a traição e as injustiças da vida - o exemplo de José do Egito

Resenha da obra "Ego Transformado", de Tim Keller

Jesus, homem de coragem(Marcos 10.32-34)

Confirma, Senhor, a obra de nossas mãos

O amor não é sentimento, é mandamento

TEOLOGIA: ETMOLOGIA, ORIGEM HISTÓRICA E TEOLOGIA NATURAL

Panorama do Novo Testamento: O Evangelho de João