Redenção não é a punição de Jesus

Parece ser muito comum a ideia propagada por muitos de que "Jesus foi punido em nosso lugar".

Penso que é uma ideia das mais propagadas pelos teólogos protestantes que conheço acerca da morte de Jesus, popularizada pelo termo "Substituição Penal".

Entretanto, é preciso ter um pouco de cuidado com essa ideia, senão ela pode se tornar um tanto quanto estranha ao espírito das Escrituras.

Através de um exemplo tirado do meio jurídico, vou tentar esclarecer o meu ponto.

Digamos que a lei determine que, quem matar alguém, pode ser condenado a cumprir trinta anos de prisão.

Digamos que uma determinada pessoa, o José, cometa um crime e seja condenado a cumprir tal pena.

Entretanto, vem o Alfredo e diz para o Juiz: pode deixar que eu cumpro a pena no lugar do José.

Aí, o Juiz, que é obrigado a aplicar a lei, se dá por satisfeito, condena Alfredo a cumprir os trinta anos de prisão no lugar do homicida.

Ou seja, desde que alguém, ainda que inocente, cumpra a pena, o Juiz se dá por satisfeito

Será que é razoável tal noção?

Sei que parece uma ideia grosseira, porém, é o que muitos demonstram acreditar. 

A lei de Deus foi violada e Ele precisa punir todos nós, pecadores, violadores de sua santa legislação por isso.

Jesus vem, é punido em nosso lugar, e portanto, nós, os que cremos, não precisamos mais ser punidos. E ainda por cima, pelo fato de Jesus ter levado a nossa culpa, somos declarados judicialmente justos. E Ele pode ser punido em nosso lugar, pois é humano como nós, e seu sacrifício vale por todos, pois Ele é Deus. 

Embora a ideia pareça muito lógica e atraente, fácil de ser explicada, boa para ser pregada, e possa ser depreendida talvez da interpretação de alguns versículos bíblicos, principalmente paulinos, continua o problema, o de entender que o Juiz se dá por satisfeito desde que uma pena seja cumprida, mesmo que por um inocente.

Justiça passa a ser cumprimento de pena!

Não é fácil realmente, e nem sei se possível, entender plenamente a expiação que Jesus fez em nosso favor. Porém, a ideia de que um inocente foi punido judicialmente no lugar dos culpados não parece fazer justiça a uma ideia de justo Juiz. 

Gosto de pensar a redenção a partir da leitura singela de versículos acerca do assunto.

Por exemplo, Pedro diz: "carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para o pecado, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados" (I Pe 2.24). 

Ou seja, a expiação é Jesus levar sobre si os nossos pecados. E isso é descrito como um processo de nossa cura (pelas suas chagas fomos  sarados, talvez fazendo certa referência ao profeta Isaías, e vendo a condição humana mais como enfermidade). 

O autor de Hebreus é bastante enfático:

"... se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pela sacrifício de si mesmo, o pecado" (Hb 9.26b)

Na cruz, os nossos pecados foram aniquilados por Jesus. 

O apóstolo João traz uma ideia de purificação pelo sangue:

"Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (I João 1.7).

Vejam.

Jesus levou sobre si os nossos pecados. Nossos pecados foram aniquilados em Jesus. Hoje, somos purificados pelo sangue de Jesus.

É nesse sentido que podemos dizer que somos purificados, santificados, e talvez justificados. Não por uma declaração judicial que pune o inocente no lugar do culpado. Mas por uma espécie de cirurgia espiritual, em que o pecado foi arrancado, transferido de nós, como um tumor, e colocado sobre Cristo, que o destrói. Mas veja que a ressurreição tem um papel importantíssimo nisso, pois o que aconteceu na cruz só se torna uma realidade pelo fato de Jesus ter ressuscitado, ou seja, vencido a morte, o pecado e o diabo. A Ressurreição é o resultado da vitória de Cristo!

Mas Deus não precisava ser apaziguado? As Escrituras não dizem que Ele estava irado, que a ira dele permanece sobre os filhos da desobediência, e que, como Paulo e João disseram, foi necessário fazer propiciação por nossos pecados (Romanos 3.25; 1 João 2.2)? A ideia de propiciação é a de justamente apaziguar uma divindade irada mediante um sacrifício, ideia esta presente em muitas religiões. 

Bom.

Houve inúmeras discussões linguísticas acerca do significado do termo grego que é traduzido por propiciação. C. H. Dood entendia que seria melhor traduzir por expiação. Ladd, por propiciação mesmo. A maioria dos teólogos protestantes, como John Stott e Millard J. Erickson, dá razão a Ladd.  Também houve muita discussão acerca de uma preposição grega que pode ser traduzida "em favor de" ou "no lugar de" (acerca da obra de Cristo, quando se diz, por exemplo, que "Cristo, quando nós ainda éramos pecadores, meu a seu tempo pelos ímpios" - Romanos 5.6 - morreu no lugar dos ímpios ou em favor ímpios?).

Eu tenho minhas dúvidas se um entendimento teológico desta envergadura deve ou pode ser ou não definido por uma palavra ou mesmo uma preposição. Sou mais inclinado a usar, por assim dizer, uma lógica Teo-LÓGICA. 

Veja.

Entender que Deus precisava ser apaziguado, posto que irado contra as pessoas, cria uma contradição muito grande na pessoa do Pai. É como se ele se irasse e ao mesmo tempo amasse, e houvesse essa crise no ser de Deus. E, parece que era isso mesmo que Lutero acreditava, em uma espécie de conflito interior na pessoa de Deus. 

Entretanto, a atributo mais revelador da pessoa de Deus na Bíblia Sagrada é o amor. Deus é amor. E ponto. É deste atributo máximo de Deus que fluem todas as usas demais características e ações. Não há conflito entre amor, justiça, santidade, ira, etc, e nem mesmo equilíbrio (como se ele fosse percentualmente equilibrado em amor, justiça, misericórdia, santidade, etc). Deus é amor, Ele amou o mundo, e tudo flui de seu amor Criador e Redentor. 

Assim sendo, Deus não odeia pessoas, ele não odeia o mundo que criou. Ele ama o mundo (aqui entendido, pessoas). O que Deus odeia é o PECADO e não o pecador. A ira de Deus se volta contra o pecado. A ira de Deus está sobre os filhos da desobediência, pois não foram purificados de seus pecados. Sim, o pecador impenitente, não redimido, sofrerá as consequências do seu pecado não confessado e arrependido, mas não pelo fato de Deus o odiar, mas sim odiar o pecado que está nele. Por isso, que a obra de Jesus na cruz é uma ANIQUILAÇÃO do pecado, como escreveu o autor de Hebreus, é uma PURIFICAÇÃO, como escreveu o apóstolo João. O PECADO É QUE FOI CONDENADO NA CARNE de Jesus, e não Jesus, conforme escreveu Paulo ("Porquanto, o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado" - Romanos 8.3).

Além disso, se você catalogar todas as passagens do Novo Testamento que descrevem a obra de Cristo na cruz, a maioria delas não vai trazer uma ideia de Jesus estar sendo punido em nosso lugar. Há um método hermenêutico que diz que passagens difíceis devem ser avaliadas à luz da maioria que são, por assim dizer, menos difíceis, caso seja possível fazer essa avaliação (há passagens que são muito difíceis e isoladas que não podem ser aclaradas por outras).

Por isso, tenho entendido até aqui que:

Se você entender Deus apaziguado, propiciado no sentido de se dar por satisfeito pelo fato do pecado ter sido aniquilado, purificado, penso que podemos usar tal linguagem. Se entender Deus apaziguado pelo fato do inocente Jesus ter sido condenado a sofrer uma pena no lugar dos culpados, estaremos indo além do que as Escrituras parecem ensinar. 

Se você entender que Jesus morreu no nosso lugar, no sentido de que levou nossos pecados sobre si, não precisando nós sofrermos as consequências eternas de nossa condição pecaminosa, penso que está correto. Se entender que Jesus foi condenado por Deus no nosso lugar, a sofrer a nossa pena, aí, penso que estará indo além do que as Escrituras ensinam. Até mesmo, a nossa pena seria a morte eterna, e não morremos crucificados. 

Se você entender que fomos justificados pelo fato de Jesus levar sobre si os nossos pecados ("Aquele que não conheceu pecado, ele se fez pecado por nós; para que nele, fôssemos feitos justiça de Deus" - 2 Coríntios 5.21), tudo bem. Agora, se entender que fomos declarados justos pelo fato de Jesus ter sido declarado culpado, ou ter sido condenado pelo Pai, aí, já acho um problema. 

Sem dúvida alguma, muito ainda poderia ser escrito sobre o assunto, como por exemplo, a redenção como a vitória contra os poderes do mal. Porém, neste texto, minha intenção foi pensar que a popular ideia de que Jesus foi condenado em nosso lugar e que sofreu a ira do Pai por nós pode  não ser a melhor para explicar o sentido da redenção. Certamente, posso estar errado por isso, daí, escrevo com temor e tremor. Eu não descarto a possibilidade de um dia mudar de ideia sobre o assunto, me abrir mais para a ideia da substituição penal, afinal, ninguém é dono da razão. Porém, por enquanto, só consigo chegar até aqui.








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