O bispo cristão




Estes dias estava a meditar nos requisitos que o apóstolo Paulo indica que são necessários para que alguém se torne bispo, quando escreveu ao seu discípulo Timóteo (I Timóteo 3.1-7).

O que eu achei interessante é que são requisitos bem práticos. Na verdade, quase chocam pela sua simplicidade.

Entre outras coisas, o bispo deve ser irrepreensível (ou seja, nada na sua vida está a desabonar sua pessoa), é marido de uma só mulher (ou seja, monogâmico, fiel), é temperante (qualidade de quem é moderado nos aspectos intelectuais, espirituais, etc, ou seja, não é um radical), sóbrio (moderado no que tange às bebidas, alimentação, etc), modesto (não faz alarde de suas próprias virtudes e boas obras), hospitaleiro (faz com que os visitantes se sintam bem acolhidos, oferece lugar de repouso e confiança) apto para ensinar (ou seja, também um estudioso; tem que ser um bom professor), não dado ao vinho (tem controle de si, não é um beberrão), não violento (não usa a coação de nenhuma espécie, seja física, emocional, econômica, para fazer prevalecer o seu ponto de vista), cordato (alguém que tem bom senso, prudente), inimigo de contendas (foge de discussões e rixas), não avarento (ou seja, não é sordidamente agarrado ao dinheiro, mesquinho), governe bem a sua própria casa (ou seja, sua experiência administrativa começa dentro do lar), cria os filhos sob disciplina, com todo o respeito (ou seja, tem e exige disciplina, respeita e é respeitado), não neófito (não novo convertido, para não ficar soberbo), bom testemunho dos que são de fora (ou seja, exerceu ou exerce uma experiência profissional respeitável em seus relacionamentos, bem como tem boa fama diante da sociedade).

São tremendamente práticos os requisitos para alguém se tornar bispo e exercer liderança sobre o povo. Se pararmos para pensar, são requisitos exigidos para qualquer homem comum, para qualquer cristão.

Agora, o interessante é meditar como, tão cedo na história do cristianismo, outro ideal de homem espiritual foi surgindo, talvez por alguma interpretação radical feita do próprio Paulo ou do próprio Cristo, ou de influência de outras correntes filosóficas, como o neoplatonismo.

O ideal monástico, do grande jejuador, pobre, celibatário (não faz sexo, não tem mulher, não tem filhos), que ora muito, come pouco, sem muitos amigos, silencioso, entre outras qualidades, por conjunturas históricas, tornou-se o padrão do episcopado medieval, e talvez do próprio cristianismo católico romano e, em menor medida, do ortodoxo (nesta igreja, somente o bispo é obrigado a ser celibatário; não os padres), diferindo completamente, no meu sentir, da descrição dos requisitos expostos por Paulo para aqueles que queriam ser líderes.

Tal bispo não é marido de uma só mulher, pois lhe foi imposto o celibato; ou seja, não sabe o que é dividir a vida com alguém, e talvez não haja instituição em que somos mais moldados em nosso caráter do que a instituição casamento. Não quero dizer com isso que não possa haver vocações extraordinárias, celibatárias; mas que não deveria ser o comum, o padrão; daí por isso, talvez, há, segundo parece, tanto adoecimento na sexualidade do clero romano. Logo, não será alguém que governa a sua própria casa, pois não foi nem nunca será um pai de família, ou seja, não teve uma experiência que se direcionou do micro (lar) para o macro (igreja); não teve oportunidade de criar filhos e ter o seu caráter forjado na melhor de todas as provas, que é o da convivência doméstica, ignorando completamente a constatação/indagação paulina de que, “se alguém não governa a sua própria casa bem, como governará a igreja de Deus?”

Também, provavelmente, não é alguém que tenha bom testemunho dos que estão de fora (nem mal), no sentido que quis dar Paulo, visto que, muito provavelmente, dedicou toda a sua vida à carreira eclesiástica; ou seja, não teve seu testemunho experimentado pelas provas do dia a dia, como ocorrem na vida da maioria dos cristãos (que acordam cedo, trabalham em uma vocação secular o dia todo, estudam, têm família, obrigações domésticas, etc). Talvez também, por isso, as prescrições romanas quanto à vida doméstica e social de seus fiéis e de toda a sociedade estejam sempre tão distantes da realidade, pois os que fazem tal legislação simplesmente vivem outra vida.

Mas nem por isso o protestantismo talvez esteja sempre em melhores condições. Surgiu no nesta corrente do cristianismo uma tendência pietista, que é o da retirada dos melhores cristãos do mundo e de tudo o quanto é considerado secular, de modo que, somente passa a ser considerada uma atividade respeitável aquilo que for feito como dedicação explicita á igreja, ou seja, uma obra religiosa “strictu sensu”. A vida secular é vista ora como um entrave, um mal necessário, e não como o exercício de uma vocação divina no mundo (contrariando o que ensinaram com tanta veemência tanto Lutero quanto Calvino). Daí, criamos os nossos guetos cristãos, nossas músicas santas, nossos atores, atrizes e cantores “gospel”, entre outras coisas, fazendo com que o melhor reconhecimento para uma liderança cristã seja a do bom funcionário eclesiástico (sua espiritualidade é medida pela sua fidelidade nas obras religiosas), ou então aqueles que fazem algo explicitamente religioso. Além do que, o ideal pietista traz também a figura do super crente (uma reminiscência do ideal monástico?), ou seja, do grande homem de oração (e isso é aferido publicamente, já que, privadamente, tal coisa não é possível), do grande santo, capaz de grandes sacrifícios, do jejuador, por vezes, até jogando uma grande carga de culpa naqueles que não atingem nunca tal ideal. No pentecostalismo, o quadro se agravo, pois somado a isso, o candidato, de modo geral, tem que ter uma grande quantidade de dons carismáticos (em algumas igrejas, obreiros não são ordenados se não tiverem o dom de línguas, a glossalia).

Não há nada de errado em ser escolhido como lidere um membro fiel da igreja, nem em que se busque o aperfeiçoamento pessoal nas disciplinas espirituais, ou que se busque os melhores dons, desde que não se percam de vista os requisitos paulinos para a liderança cristã, que como mencionado, são simples, tremendamente humanos. Sem estes, aqueles não tornam um líder. Com estes, um líder estará formado, ainda que não tenha muitos daqueles. Os requisitos para uma liderança cristã são os requisitos para que um homem comum exerça suas atividades comuns com excelência. O evangelho não existe para que criemos pessoas extraordinárias, exóticas, diferenciadas, mas que sejam pessoas extraordinariamente comuns, fazendo coisas comuns, mas com excelência, com amor. Não é um super-humano, ou um funcionário perfeito da instituição, mas alguém comum que aprendeu a viver o cotidiano com excelência, diligência e amor. Será bom bispo aquele que foi uma extraordinária pessoa comum. O evangelho nos faz mais humanos. Deixemos as asas para os anjos...

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