Teologia da Espiritualidade: Ortodoxia


A Ortodoxia é aquela expressão do cristianismo que se separou de Roma no início do primeiro milênio (ou seja, muito antes da Reforma Protestante), mas que com aquela já tinha algumas diferenças, notadamente no que diz respeito à liderança da igreja (supremacia papal), e outros conceitos teológicos.

Muito do que foi dito acerca do catolicismo romano, como a ênfase litúrgica, a realidade da igreja enquanto instituição divina pode ser aplicada também à Ortodoxia, entretanto, ainda assim há diferentes ênfases e práticas espirituais que a distinguem das demais tradições cristãs.

Postagens anteriores sobre o tema teologia da espiritualidade:

A Ortodoxia tem um forte senso de continuidade com a tradição apostólica. Consideram-se os mais próximos daquilo que foi chamado de igreja primitiva e período patrístico da igreja. Notáveis teólogos como Gregório de Nissa, Gregório Nazianzeno, Atanásio de Alexandria, Máximo o Confessor, João Damasceno pertenceram à tradição oriental. Os chamados concílios ecumênicos no primeiro milênio foram realizados em sedes ortodoxas. Para se ter uma ideia do forte senso de tradição desta comunhão, são celebradas liturgias conforme ritos muito antigos, como por exemplo, a Divina Liturgia, atribuída a São João Crisóstomo. Hoje, as expressões mais significativas da ortodoxia são a russa e a grega, mas também estão possuem uma comunidade grande nos EUA, no Canadá, na Austrália, e em outros países, mesmo no Brasil, por conta da imigração. Seus padres não são obrigados a serem celibatários; somente os bispos, que são escolhidos dentre os monges, s.m.j.. A ortodoxia está organizada em patriarcados, sendo que seus líderes primazes são chamados de patriarcas. O líder Maximo da Ortodoxia é o Patriarca de Constantinopla (Istambul). Também há uma riquíssima tradição monástica, tendo sua principal referência no conhecido Monte Athos. Embora não sejam contrários à utilização de imagens, sua ênfase maior está nos ícones, considerados janelas de percepção para os céus (quase um sacramento). Cada ícone tem uma forma especial de ser pintado, utilizando-se materiais e técnicas muito antigas, e exigindo uma atitude reverencial e especial de quem o elabora. Pelo menos em teoria, um cristão ortodoxo  comum, para ter um ícone em casa, precisa ter a aprovação de uma autoridade religiosa,geralmente o padre (presbítero) a fim de que não o utilize de forma errônea. Embora também acreditem na doutrina da intercessão dos santos, dando um lugar especial á Virgem Maria, não existe uma “mariologia” propriamente dita em sua teologia, e nem mesmo um culto individual a ela, como no catolicismo romano (isso, eu ouvi em um congresso católico/ortodoxo/anglicano acerca do assunto, e eu era o único protestante participando na ocasião).

A doutrina da salvação, na ortodoxia, é entendida como “deificação”, ou “theosis”. A ideia é a de que, a fé salvadora é aquela que une o fiel à Cristo, “cristificando-o”, por assim dizer. Tem sua expressão na frase de Atanásio de que “Deus tornou-se homem, para que o homem possa se tornar Deus”. Com isso, Atanásio queria dizer que Jesus assumiu não somente uma natureza humana individual, mas também uma natureza humana universal, capacitando a humanidade a essa transformação. Para tanto, fazem uma diferenciação entre a essência e as energias de Deus. Ninguém pode participar da essência de Deus, e sim de suas energias, que também são Deus em si, tornando o fiel um com Deus, e não, um "como" Deus.

Um tema muito importante da espiritualidade ortodoxa é o “hesicasmo”, ou “hesichia”, que seria um estado de paz divina no ser, fruto da graça de Deus e de grande disciplina por parte do fiel. O ideal é que, aquele que busca a perfeição, atinja o estado de “apathea”, que não é uma apatia em si, mas sim a ausência de patologias (a=não/pathos=paixão, patologia) no ser. Isso leva a pessoa a um estado de paz, alegria, e justiça no Espírito Santo, e profunda calma. A oração continua, ensinada no movimento hesicasta é a oração de Jesus, que consiste na repetição da frase: “Jesus, Filho de Davi, tem compaiixão de mim, pois sou pecador à sua vista/ Jesus, Filho de Deus, tem compaixão de mim... enfatizando, na primeira frase, a humanidade de Jesus, e na segunda, a sua humanidade. Pode-se fazer tal oração com o auxílio de um terço. Também pode-se orar repetindo-se continuadamente o próprio nome de Jesus, a ponto de alguns autores espirituais entenderem que tal oração passa a se confundir até mesmo com as batidas do coração. A ortodoxia, com sua rica tradição, ainda é pouco conhecida no ocidente, pois, de modo geral, as comunidades ortodoxas fora do oriente são mais voltadas para os imigrantes.

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